7 de outubro de 2023

Rabisca

Quando adolescente eu tinha mania de escrever sobre o quanto minha vida era miserável e tentei abandonar esse hábito de ovação eterna à dor, tristeza, miséria, angústia. Agora, no entanto, sem perceber eu continuo viciada em reclamações, lamúrias e preocupações. Me dá vontade de falar sobre as dificuldades de manejar aulas, sobre a ansiedade, especialmente a de esperar um ônibus atrasado no medo de ter perdido ele (último horário do dia)...
— Pra São Xico. 
 ...sobre o calor e desconforto de estar no ônibus, a dor no meu pescoço e caneta que esqueci em um lugar aonde não volto tão cedo...
... Mas dificilmente verbalizo os instantes de apreciação do reflexo que o poente imprime em tudo que alcança com seu ouro. Dificilmente verbalizo a satisfação por cada um dos objetos que posso manusear com gosto. Tenho mais vontade de reclamar que 'tou sem celular, que agradecer a oportunidade de usar o caderno. Apesar de ele ter sido um instrumento de lamúrias lamentos white male tears, ele foi também um catalizador, salvador de vida de quem tinha vontade de morrer de tanta autoincompreensão e vazio existencial. O instrumento fazedor de belezas de flores
que nasciam na rua
de damas da noite
que nasciam na Lua
de flores de mandacaru no agreste
dentes de leão no forte
vento do leste 
pro éste
flores mortas
de plástico
espinhosas
ardidas
fedorentas

Bosta é literalmente o fertilizante por excelência 
pras flores 
e pra hortaliças
que nascem
porque a mão

rabisca

21 de agosto de 2023

sinão

Se não durmo a noite
Amanhã é dia
De acordar
Segurando muitas mãos
Dando meus sins e nãos
Soltando o verbo
Ranço e tesão 
Sinão
Se não
Vou dormir de novo não 

12 de junho de 2023

Poema namoradinho

Você gosta de amore?

Vou contar...


Era uma vez uma pessoa apaixonada

eram duas vezes

duas pessoas apaixonadas

várias pessoas em dois corpos

enlaçados


Duas corpas

tortas

doce salgada azeda amada

gosto de solidez

massagem na sola do pé


Presente? Preseça?

Olhares encontros

contra favor.

a favor do fuxo

fluídos corpóreos

corpes 

torpes

de tesão e toque


Voz agudinha

bolinho

de gudinho

mil papos

cem palavras

dez em cana

pega e pucha 

prova mel melado

quero pepe pelo

suades

saudades não

e sim...plesmente complidades


É quase crime

hoje em dia

no tribunal dá não

monogamia ser

namordinhe

─ Tosse, posse, coce!

Melhore!


Promessa: 

Santo Antônio

me namore

com essa pessoa

essa

ou não volto mais 

pra casa


Já chega agora

de teias de aranha

nodedo na boca na cama

vou pedir formalmente

consetimento

(eu consigo)

pro seu pai contar pra toda família

que você namora

comigo

3 de junho de 2023

amanhã já passou

Caminho a frente
Me envolvo em fresco ar
O novo dia
Presente se fará

Descasca o ovo
Desbota escuridão
No rio recobra
Deságuia o coração

A borda cedo
Do sonho de esperar
De tarde sendo
Deitar pra arvorescer

Broto de Semente
Assado não assim
O Amanhã será
tudo que Eu cria pra mim

mais vivo dia
o dia
o dia
amanhã já passou

12/2/2016

29 de maio de 2023

Oficina: Afetos e escritas decoloniais

Exercício I

Dia de sono.

Caralho! Oficina de noite, começo perdida. Escuta Mel! Escuta! Você está aqui pra ouvir, com duas orelhas meia boca. 

Exercício II

Afetoca

A fé toca
tambor
morte chama
tenção
Vida canta
Com tato
fala cala
calor
grito em eco 
retumba
rumba baba
comida
como come-me
a vida
é moção
atroz

A troca
a fé toca

6 de abril de 2023

Na hora do almoço

Mote:

Deixemos de coisa, cuidemos da vida

Belchior


Comendo a vida na mesa 

comendo a vida na sala

Comendo a vida do jeito que a vida chegar

E chega que chega 

E chega que chega 

Vamos provar?


Eu gosto de doce azedo e salgado

Ardido amargo

Uma unidade que estiver ao lado

Dentro e fora é viva

A vida é o que vive

A vida sou eu

Eu vou comer a mim mesma 

E quando chegar a hora do almoço

Eu vou ser feliz com meu gosto


Quando alguém me chama "é hora do almoço"

vou se posso, me entendo, me ouço

Vou na manha ou fico na minha cama

Só quero amor ou amor ou amor

De qualquer jeito só sou o que sou 

Eu vou comer a mim mesma 

E quando chegar a hora do almoço

Eu vou ser feliz com meu gosto