18 de junho de 2014

O amor da minha vida

Todo mundo deve ter tido um, lá pelos seis, sete anos de idade. Aposto que a psicanálise deve ter um estudo científico sobre primeiros amores.

Marina, era o nome dela. Pra minha família era uma amiguinha da escola, pra mim era "o amor da minha vida".  Na prática eramos bem amigos mesmo. A gente brincava muito, se via todo dia na escola, ela ia na minha casa, eu na dela.
Mas outros colegas chegaram a ir em casa e eu na deles, (como conto nos Fatos vergonhosos), meninos e meninas. Os colegas de quem eu não gostava acabaram me deixando lembranças muito boas na memória, dos dias em que fui na casa deles. Mas é claro, o que tornava a Marina o "amor da minha vida" era eu pensar que ela era.
Eu gostava dela, eu sonhava acordado, projetava uma vida inteira com ela; sonhava com o dia em que ia contar do "meu amor" pra ela. Eu construía na minha cabeça dezenas de situações onde eu beijava ela, normalmente imaginando algum canto da escola como o lugar. Eu imaginava um beijo de cinema, mas nem sabia que beijo tinha língua e imaginava sexo também segundo minha referência de novela e cinema, como se sexo fosse só dar uns amassos com pouca roupa.  Mantinha isso como um segredo valioso do meu coração, que eu só podia contar para os meus melhores amigos. "O meu melhor amigo" era o Eduardo e tenho certeza que em algum momento devo ter falado do "meu amor" pra ele. Era como se eu fosse o Doug, ele o Skeeter, e ela a minha "pat Maionese" (e eu rio alto escrevendo isso).
Talvez esse desenho tenha sido uma grande influência pra construir esse universo imaginário, pois eu e o Paulo, meu irmão, assistíamos todo dia, quando eu tinha uns quatro ou cinco e ele seis.
Eu acho engraçado e sem sentido o fato de que pra mim isso tinha que ser segredo. E era natural na minha cabeça pensar isso. Uma vez passei um tempo em Tatuí e contei ao meu primo que gostava dela, porque ele tinha falado de uma menina que gostava, que queria namorar e toda uma história. Mas depois, logo que ele teve chance, contou tudo pra minha mãe, pai, irmão avós, e eu fiquei com a cara no chão, indignado. Me toquei depois que ao contrário de mim ele não mantinha segredo do amor dele pela menina que gostava.

Passei uma vez um fim de semana inteiro na casa dela. Brincamos direto no condomínio, falamos sobre as coisas. Acho que cheguei a falar algo sobre eu ter irmãos e ela não. Em compensação lembro bem que dormimos uma noite no mesmo quarto. Eu, ela e o pai dela, nós na cama e o pai dela no chão em um colchão. Quando eu acordei eu estava embaixo da cama, sem entender nada. Depois no café o pai me contou que caí da cama no meio da noite, em cima dele, e nem acordei.
Depois de muita história real e imaginária a marina saiu da escola. Na verdade esse tempo infinito de criança foi muito pouco, um ou dois anos, e eu nem lembro direito como foi a saída, mas não foi muito sofrido pra mim.
Eu era completamente pleno e feliz quando criança, pois meu pai e minha mãe me bastavam. Na adolescência isso deixou de ser verdade, mas aí ainda era e foi quase natural eu meio que recriar esse sentimento na Ananda: outra colega da escola que também era loira e que era bem amiga da marina e tal. Nessas horas o conceito freudiano de transferência parece que faz muito sentido. Quando me analiso e penso em todas as minhas paixões, tenho a impressão de que todas estiveram ligadas à da Marina (e se eu for freudiano de verdade obviamente tenho que pensar que ela também foi uma transferência do amor pela minha mãe). Mas seja como for, esse amor me parece que foi tão puro quanto a minha alma de criança.

É muito estranho. Extremamente estranho, que "o amor da minha vida", esses dois primeiros, foram pura felicidade. Eu simplesmente não lembro do que seria ruim. Não lembro do Adeus, do Fim.
Amor por muitos anos foi pra mim essencialmente sofrimento, especialmente dos 14 aos 20 anos. É um setênio inteiro, mais que um quarto da minha vida sofrendo intensamente (já que tenho 25 agora), mas não naquela época. Naquela época o amor era só Amor. Marina: o amor da minha vida.

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