20 de março de 2015

Igor racista!

Foi aos 14 anos, quando eu estava no 8º ano do ensino fundamental, que em certa tarde eu estava indo pra casa e senti aquele cheiro. É uma memória bem difusa, mas sei que foi nessa idade. Nessa idade eu senti um cheiro que mudou minha concepção de vida. Um dos grandes marcos da minha consciência.
Antes, quando eu tinha 7 ou oito anos, morávamos em Ribeirão Preto, costumávamos ter sempre alguma pessoa, sempre mulher, geralmente negra ou de origem nordestina, que fazia faxina na casa uma vez por semana; e por um certo período de tempo tivemos uma moça que vinha e trazia sua filhinha, ainda bebê. Eu não gostava dela, não gostava da filha dela, que fazia barulho e chorava por motivos que eu não entendia, a moça me dizia "conversa com ela", mas eu resmungava que não tinha como eu conversar com alguém que não sabia falar, não sabia como.
Anos depois, com 12 anos eu comecei a ir de ônibus para casa da escola, já morando em São Paulo. Fato é que subi no ônibus, que estava razoavelmente cheio, mas não lotado, passei a catraca, fui para o fundo, para ficar perto da porta. Na última fileira de bancos havia uma mulher sentada, não gostei dela e de repente me veio a memória da minha antiga faxineira. Veio vindo à minha cabeça um raciocínio e comecei a pensar. Nossa! O que me incomoda? O cheiro dessa mulher. O mesmo daquela faxineira de Ribeirão. Como chamo esse cheiro? Acho que é "cheiro de negro". Odeio esse cheiro de negro. Quero descer.
Com 12 anos minhas ações começavam a ficar já mais independentes, minha mãe não brigava mais pra que eu tomasse banho, ela não me obrigava a escovar os dentes, não me obrigava a passar tardes na escola onde ela trabalhava, pois eu já estava grande o bastante para ir para casa (cerca de 2km da escola) de ônibus ou a pé. Eu fui criando, a partir daí uma certa identidade com bandas e artistas de rock, que eu gostava de escutar, tinha vontade de deixar o cabelo crescer, de tocar violão, ter uma guitarra, zoar com os amigos e às vezes dar voz à preguiça não tomando banho, deixando de fazer uma ou outra lição e brincadeira já ia virando "coisa de criança". Comecei a ir a pé para casa, pois valia mais a pena gastar o passe escolar trocando por um pastel.
Acontece que após essa puberdade, meninos começam, por volta dos 14 anos, a transpirar mais, a ter pelos nas axilas, a produzir mais testosterona (que agrava o cheiro corporal). Eu ainda não tinha entendido bem a utilidade de desodorantes, que antes eram desnecessários, já tinha sido algumas vezes zoado na escola por estar cheirando mal, mas acabei tendo uma situação realmente peculiar quando cheguei a este dia e este momento do início do texto. Senti um cheiro, aquele mesmo cheiro de negro, olhei em volta e não havia nenhum negro por perto. Puxei a gola da camiseta até a altura dos olhos, levantei o braço direito e que desgraça de cheiro de negro. Minha cabeça se pôs a funcionar de novo. Eu não havia passado desodorante, estava a três dias sem tomar banho, minha rebeldia estava exalando um odor não tão aplaudível. Mas meu pensamento foi girando e o cheiro foi ficando mais forte, fui chegando em casa muito incomodado e o cheiro continuava aumentando. Já não era o mesmo cheiro, alguma coisa estava errada. O cheiro não era só ruim ou incômodo, mas insuportável. Minha cabeça ativa foi se questionando. O que é isso? Como pode?

Isso é o cheiro, Igor. Isso é o fedor fétido. É a podridão do seu racismo esfregada no seu nariz.

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